No mês de janeiro surgia a notícia de um surto epidémico de uma doença respiratória aguda, causada por um agente desconhecido, a OMS acabou por declarar como pandemia a doença por coronovírus-19 (COVID-19), causando atualmente o estado de emergência em Espanha e em muitos outros países Europeus. O seu agente etiológico é um coronavírus chamado SARS coronavírus 2 (SARS-CoV-2).

Durante este tempo têm-se especulado muito sobre a possível origem desta pandemia e têm-se feito de forma pouco rigorosas algumas das conclusões, derivadas da emergência de outras doenças causadas por coronavírus como o SARS ou o MERS. A epidemia da síndroma respiratório agudo (SARS – acrónimo em inglês) que se declarou em 2003 também na China foi causada pelo SARS coronavírus 1 (SARS-CoV-1), causando mais de 8.000 casos e quase 800 mortos em vários países. Na altura, foram consideradas as civetas a fonte direta do surto, visto que foi possível detetar o vírus em amostras destes animais procedentes do mercado de animais vivos da cidade de Guandong, onde se originou.

Contudo, nunca foi possível encontra o vírus em civetas selvagens, pelo que foi considerado que estes animais não eram o seu reservatório natural, mas sim apenas um hospedeiro intermediário. Assim, começou-se a procurar o dito reservatório natural em outras espécies de animais da China, encontrando-se um vírus muito parecidos (conhecidos genericamente como coronavírus similares a SARS) em morcegos-de-ferrradura (Rhinolophus sp). Estudos posteriores revelaram a presença de coronavírus similares ao SARS em morcegos de outras partes do mundo, assim como uma grande variedade de outros coronavírus. Estes vírus não parecem produzir doença, o que demonstra uma boa adaptação mutua desenvolvida durante a larga história evolutiva comum. De facto, isto conduziu a levantar a hipótese (assim permanece até aos dias de hoje) que a emergência do SARS, tenham ocorrido através do salto do Morcego-de-ferradura para a civeta e desta para o ser humano. No ano de 2012 declarou-se na Arábia Saudita outro surto, que posteriormente foi denominado de síndrome respiratório de Oriente Médio (MERS – acrónimo em inglês), que resultou ser causada por outro coronavírus transmitido pelo dromedário. À data de hoje foram declarados 2.494 casos e 854 falecimentos, a sua grande maioria em países do Golfo Pérsico, contudo também foram declarados casos importados em outros países. Diferentemente do SARS, o salto do dromedário ao homem não constituí-o um evento único e uma boa parte das infeções diagnosticadas estão associadas a contactos com estes animais, já que a capacidade do vírus estabelecer cadeias de transmissão efetivas entre humanos é muito limitada. Entre a grande variedade de coronavírus de morcegos também se encontram alguns filogeneticamente próximos ao coronavírus MERS, facto que é interpretado pela OMS na folha descritiva da doença como “não é bem conhecida a origem do vírus mas, segundo analise de vários dos seus genomas, acredita-se que o vírus tenha podido originar-se em morcegos e ter-se transmitido aos camelos em algum momento de um passado longínquo” ilustrando bem a prudência e o rigor que devem imperar na hora de extrapolar conclusões gerais sobre a biologia evolutiva e a investigação da origem dos surtos epidémicos concretos.As primeiras investigações epidemiológicas sobre a COVID-19 têm demonstrado que a origem do surto está ligada presumivelmente a um mercado de marisco e animais silvestres, pelo que se supõe que a fonte mais provável tenha sido algum animal, ainda por determinar, entre os que se vendiam aí, já que as doenças emergentes costumam ter a sua origem em agentes infeciosos próprios de animais, que conseguem adaptar-se com êxito aos humanos adquirindo capacidade para transmitir-se de pessoa a pessoa. Contudo, não se publicou ainda nenhum dado concreto de se ter encontrado este vírus em amostras de animais procedentes do dito mercado.

O vírus mais parecido como o SARS CoV-2 é um coronavírus de morcego (Bat CoV RATG13) detetado anteriormente na China, em um morcego-de-ferradura. Posteriormente tem-se descrito outros coronavírus muito similares em pangolim-malaio (Manis javanica) apreendidos em alfândegas Chinesas que, embora sejam mais distantes filogeneticamente a nível de genoma completo, mostram maiores similaridades ao SARS-CoV-2 em sítios de união ao recetor celular que se considera chave para a adaptação a humanos. Contudo, nenhum deste vírus foi detetado no entorno espácio-temporal do surto e por tanto não é possível estabelecer ninguém vínculo epidemiológico com o mesmo. Por outro lado, a distância genética de qualquer deles ao SARS-CoV-2, situa qualquer ancestral comum a anos de distância. Os dados atuais disponíveis NÃO sustentam, portanto, a hipótese mais frequente exposta nos meios de comunicação que consiste na origem do vírus ser no morcego com o pangolim como hospedeiro intermediário. É necessário adicionalmente muitos mais estudos para estabelecer a possível origem desta pandemia.

Em consequência:
1 – Á data de hoje, a fonte da pandemia de COVID-19 continua a ser desconhecida.
2 – Á data de hoje, não está, em absoluto, estabelecido que os morcegos tenham sido a fonte da pandemia. As descobertas de coronavírus semelhantes a SRAS em pangolim, sugere que este grupo de vírus não é exclusivo de morcegos e que o seu espetro de hospedeiros naturais poderia ser mais amplio do que se era esperado. O sucesso da adaptação do SARS- CoV-2 ao seres humanos apoia esta possibilidade.
3 – Seja qual for a origem, nem os morcegos nem qualquer outro animal tem qualquer papel na propagação da pandemia, que se baseia exclusivamente à transmissão de pessoa a pessoa.
4 – Independentemente que qual seja a fonte desta pandemia, o comércio ilegal e a venda sem controlo sanitário de espécies animais silvestres são claros fatores causais. Com o objetivo de prevenir futuras pandemias, a comunidade internacional deveria intensificar de maneira muito incisiva a luta contra este flagelo para a saúde e biodiversidade.

Juan Emilio Echevarría

Virólogo

Comisión de sanidad

Notificação emitida sobre COVID-19 e morcegos pelo EUROBATS.

Bibliografia:

 

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